Construímos nossas leis, sociedades, códigos, religiões, política,
estabelecemos regras, tentamos nos adequar, nos respeitar enquanto
nossos interesses se mantenham resguardados. Somos moralistas,
legalistas, éticos, sim senhor, afinal, fazemos tudo certo, tudo de
acordo com as regras, conforme manda o figurino e podemos comprovar com
nosso número de CPF imaculado ou alguma certidão que testifique nossa
idoneidade, o quanto somos de fato honestos e verdadeiros. Está tudo sob
controle, tudo no seu devido lugar, portanto, por favor, não embaralhe
as coisas. – pedimos quase amedrontados.
Pensar sobre a verdade pode ser perigoso. Se resolvermos ir além da
superfície, se decidirmos mergulhar a cabeça e tentar enxergar só um
pouco mais, perceberemos quão frágeis são nossos conceitos de verdade
especialmente porque ninguém sabe de fato o que ela é. Dá medo
relativizar absolutos e assumir que tudo o que temos é quase nada, e o
que pensamos saber, muito pouco.
É quando nos flagramos com nossas caixinhas nas mãos, aquelas que
antes acreditávamos serem suficientes para guardar o que não cabe,
controlar o incontrolável, domesticar o essencialmente selvagem e tudo o
que resta é assumir que minhas leis, minhas regras, minhas verdades são
apenas periféricas, importante para que uma sociedade viva
civilizadamente, mas nada além disso.
Se não controlo a verdade e tampouco posso explicá-la, resta apenas
reconhece-la, identificando fragmentos de verdade até onde nunca
imaginei. Quando me desapego do sentimento de posse, quando reconheço
que quase não sei, me abro e começo a entender que verdade não se
explica, não se encaixa, não cabe em palavras ou no vocabulário mais
erudito. Verdade se experimenta, se vive, se aplica no olhar de quem não
se atreve em julgar, não se apressa em condenar, não se coloca em
nenhuma posição de juiz de ninguém, apenas porque reconheceu que, em se
tratando da verdade, somos leigos, eternos aprendizes.
Flavio Siqueira
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