“Flavio, quando você diz que os acontecimentos de fora refletem os
de dentro não está desconsiderando a existência do mal como realidade?
Considere, no entanto: o mal existe, tragédias acontecem, dores,
privações, homicídios, torturas, etc… Esses eventos não deixarão de
serem ruins e maus, apenas pela minha mudança de entendimento sobre
eles. Eles, inevitavelmente geram marcas e cicatrizes. Você acha mesmo
que o mal é uma ilusão?”
- Não me refiro à natureza dos acontecimentos, mas de nossa
percepção, inclusive nossa falta de capacidade em definirmos exatamente o
que é “bom” e o que é “mau”.
Cito tragédias coletivas como exemplo, especialmente quando um mesmo
evento suscita percepções diferentes, desdobramentos que se conectam as
diferentes leituras.
No plano imediato inegavelmente foi “mal” (perseguição a judeus,
tsunamis, vulcões), mas chamo atenção sobre o quanto nosso olhar pode
modificar desdobramentos subsequentes, relativizando a percepção
maniqueísta e absoluta. Acredito que é justamente o que me habita que
definirá minha “impressão”.
Não estou com isso dizendo que bem e mal não existem, especialmente
porque, se posso percebê-los (mesmo quando não está claro) é porque essa
dualidade faz parte de minha natureza, no entanto, acho importante
enxergarmos o nível de nossa interferência nos processos da vida,
especialmente nossa tendência em reagirmos imediatamente sem
refletirmos, sem a suficiente percepção do quanto somos responsáveis
pelos cenários que de algum modo sempre refletem o que somos.
Obviamente existe a questão da existência e natureza do mal, mas,
sinceramente, acredito que antes desse debate é preciso um pouco mais de
clareza sobre o “mal” que projeto e o “bem” que faz mal.
Ficar no absoluto sem olhar para isso pode diminuir a capacidade de
compreender a natureza dos acontecimentos e repercussões interiores.
Se não podemos evitar as tragédias e tantas vezes somos pegos de
surpresa pela imprevisibilidade da vida, podemos sim escolher o que
vamos fazer com os acontecimentos, qualquer um, essa escolha é nossa e,
acredite, pode mudar mundos inteiros com um simples movimento de
consciência.
Não estamos aqui para debater sobre os fundamentos e a natureza do
bem e do mal, isso não levará a nenhum lugar produtivo. Bem e mal
existem como realidade em mim e se projetam pelo olhar (a lâmpada do
corpo):
Se seus olhos forem bons, tudo será bom, no entanto, se o seu
interior for “mal”, acredite, o mal se espalhará como chão em cada canto
que pisar. Essa escolha é nossa e cabe a cada um revalidá-la em cada
etapa do caminho.
Flavio Siqueira
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