Ontem a noite um amigo revelou que desistirá de um trabalho bonito
porque cansou. Cansou pela dificuldade em fazer-se entender, pela dor de
socar ponta de faca e a frustração de enxugar gelo. Cansou de não ser
remunerado enquanto os que só pensam em dinheiro parecem prosperar.
Chega a hora em que “ser consciente” cansa, ele disse.
Acontece que o mundo é um sistema fechado. Preso em suas crenças,
valores, importâncias, conectadas umas as outras, criando uma roda
perfeitamente engrenada que tenta se manter premiando os que se adequam e
punindo os que criticam.
Por isso, o “ser consciente” seja como for, esteja aonde estiver,
falando a linguagem que melhor se expressa naquele momento, naquele
tempo da história, naquele específico ambiente, encontrará resistência.
Sempre.
Há um preço a pagar. Quem age por consciência, jamais se adequará, nem deve esperar pela aprovação da maioria.
A remuneração não se vincula ao que normalmente projetamos como
expectativas, nem mesmo as mais sinceras e ingênuas, como alimentar a
ideia de que um dia as pessoas entenderão. Talvez sejam poucos. Talvez
ninguém.
Não há garantias de prosperidade e sucesso exponencialmente proporcional ao tamanho da consciência. Há um preço a pagar.
Meu amigo estava triste, esperava que eu dissesse alguma coisa, mas eu não podia incentivá-lo. Não como ele esperava.
É por isso que tão poucos escolhem esse caminho, seja na área que for.
Diante de tantas expectativas que nos distraem, como dizer que nossa
melhor remuneração reside no fato de saber que está aonde deveria estar?
É prosseguir o caminho coerente com a morada de dentro, consolidando
fundamentos que ninguém vê, não dá dinheiro, não gera aplausos, não
chama atenção da mídia, não fará de você nenhuma personalidade
internacional. É preciso lembrar a si mesmo o valor de cada coisa e a
certeza de que nenhum mundo compensa a vacuidade interior, tão
alimentada pelas engrenagens que nos empurram.
Às vezes nos sentimos cansados, nosso sistema é feito para isso, mas
então é preciso recordar do que vale a pena, das miragens que jamais
substituiriam o valor da morada que cresce para dentro, reflete em meus
olhos, vaza em minha voz e se estende inevitavelmente em tudo o que sou,
transcende meu corpo finito e me projeta em outra esfera de compreensão
da vida. Sou o que creio, sou o que escolho, sou o que vivo e a
possibilidade de me manter coerente é a maior remuneração.
Medir-se pelo aparente sucesso de quem quer que seja só gerará
frustração. É necessário prosseguir o caminho ciente das dores das
desconstruções, conscientes de que nada se compara ao privilégio de
caminhar, e no caminho encontrar-se, e no encontro enxergar-se, e no
enxergar-se aquietar-se. É ser quem é e o que pode ser, suficientes,
pacificados. um pouco mais a cada dia. Isso deve bastar. Essa é nossa
remuneração.
Flavio Siqueira
Entendo cada palavra, cada frase...Em uma situação diferente e chegando ao mesmo resultado.... cansaço.
Difícil se fazer entender, transmitir a mensagem, mas com todas as decepções, frustrações, é impossível abrir mão do que acredito e defendo, a vida não me valeria a pena se assim eu fizesse, só me resta aquietar-me e esperar a dor passar... ela sempre passa...
Rosa Soares
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