Parece que algumas palavras perderam sentido com o tempo. Doar é
uma delas. Desgastou, virou apelo de homens de negócio da religião, ou,
no máximo, lema de campanhas de arrecadação de fundos ou agasalho.
Sei que ainda há muita gente caridosa, homens e mulheres que
trabalham para o bem dos desfavorecidos, se entregam à causas que a
maioria nem quer saber, mas não é sobre isso que estou falando.
Entregar-se à grandes causas é lindo, mas adoecerá se não for precedido
pela disponibilidade de entregar-se, doar a si mesmo sem nenhum tipo de
expectativa.
Antes de qualquer coisa, doar implica em entregar-se. É a consciência
de que ninguém é maior ou menor, mas todos tem algo à contribuir com o
que é.
Doar não é sinônimo de dar alguma coisa específica. É doar-se para a
vida, colocar-se no fluxo natural onde tudo é de graça. Graça. Nós
inventamos o dinheiro, as amizades construídas na base do interesse, do
lucro, acreditamos que é assim que deve ser e incorporamos esse espírito
em nossas relações.
Rompemos com a ordem natural da vida, nos tornamos egoístas,
interesseiros, desatentos e transformamos a doação em atitudes isoladas,
analgésicos para acreditarmos que somos gente boa.
Doar implica em entregar-se. À todos, à quem precisar, à vida que
oferece oportunidades diariamente, às pequenas causas do caminho. É
prestar atenção, enxergar as pessoas, ser gentil, ser amigo, ser
presente, ser humano. Doar é dar o que é, apenas porque não sabe ser de
outro jeito. Doar é estar disponível. Entregar-se.
É deslocar-se da mente consumista, interesseira, e alocar-se na
dimensão da consciência, do serviço, subvertendo as “leis de mercado” em
nome da promoção de vínculos. Ser amor. É assim que a natureza faz,
aliás, é assim que funciona em todas as dinâmicas que ainda não sofreram
a interferência de nossas pretensões.
Coloquemo-nos no fluxo da doação. Esteja atento, as oportunidades estão espalhadas pelo caminho. Simplesmente esteja atento.
Flavio Siqueira
Nenhum comentário:
Postar um comentário