Vamos falar sobre você. Você quem? Saramago dizia que dentro da gente
 há uma “coisa” que ninguém sabe o nome, e essa “coisa” somos nós. Você é
 essa “coisa”. Não é o corpo, não é o rosto, não é a voz. Você não é 
aquele que os amigos reconhecem, tampouco o filho abraçado pelos pais. 
Você também não é o pai, nem a mãe.
Que tipo de “coisa” anima os corpos, esquenta a pele, põe brilho nos 
olhos, sorri, chora, pensa, sente, enxerga, cheira, sonha, mente, vive 
tentando preencher-se sem saber direito do que, se vincula, se aproxima,
 se apaixona, envelhece e um dia vai embora? Embora para onde?
Há pele, camadas de gordura, carne, órgãos, ossos, universo biológico
 que trabalha como uma máquina, sem que nada sinalize nenhum movimento 
perceptível a olho nu, nem em radiografias, ou tomografias, ninguém sabe
 aonde fica, mas, como negar que há uma “coisa” dentro da gente?
Quem anima o corpo da senhorinha do café? Aquele corpo adiante que um
 dia apodrecerá se manifesta lindamente, como uma flor que um dia vai 
murchar, como os pássaros que voam tão alto até que o fôlego da vida 
seja sugado, aquele corpo, aquela senhora, aquele menino, aquele homem, 
aquela mulher, o mendigo, o soldado, o amigo, o chefe, o fiscal do 
imposto de renda e o vizinho, aqueles corpos, aquelas “coisas”, vivendo 
em um fragmento do tempo, experimentando a possibilidade de serem 
humanos.
Nós, coisas, um dia deixaremos de ser. Nós, coisas, um dia voltaremos
 a ser. Coisas que nem sabem direito o que são, mas de alguma maneira se
 vinculam espantosamente, como se compartilhassem em si mesmo todas as 
coisas, todas as histórias, o mundo inteiro que cabe em algum lugar 
dentro da gente, na coisa que somos.
Nas coisas não há tempo, nem espaço, nem separação. As coisas são e 
manifestam-se nesses corpos conforme a própria percepção, ou falta dela,
 vivendo dentro da relatividade, da auto percepção, da dualidade, do 
ego, tantas coisas sobre coisas que um dia deixarão de ser o que hoje 
vemos; voltarão a ser o que hoje ansiamos.
Consciências que movem bonecos de carne, coisas contando suas 
próprias histórias até que um dia retornem à casa, a coisa aonde as 
coisas serão mais do que coisas. Serão o que de fato são.
Flavio Siqueira 

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