O medo de ser paralisa o gesto de afeto pelo temor do ridículo, da gozação e até do elogio.
O medo de ser impede a franqueza diante de quem se depende, impossibilita a entrega total porque pode ser mal interpretada.
O medo de ser prolonga muita coisa que já acabou.
Cria defesas mirabolantes: ficar rico, ser original, metido a diferente; ser o rei da festa, o engraçado.
O
medo de ser cala raivas, sepulta ódios, finge que não liga, ensina a
mandar, aprende a obedecer, passa a mão na cabeça, silencia a franqueza,
teme a crítica, impede a ocupação do próprio espaço.
O
medo de ser paralisa o gesto de amor, adia o telegrama de parabéns, não
envia a carta de amor, finge que não odeia, depende do que aparenta.
Ele estraga a alegria que não era sincera, atrapalha a viagem que era só
fuga.
O medo de ser não comunga na hora em que dá
vontade e sim por causa dos outros; não ensina a lição do próprio amor
porque vive na dependência do amor alheio; não se olha no espelho com
pavor de encontrar o rosto de quem inveja.
O medo
de ser gera outros eus. Gera o tu, o ele, o nós, o vós, o eles no eu; e
não o eu no tu, no ele, no vós, neles, como expressão mais autêntica e
verdadeira do que somos e não do que fingimos ser.
Artur da Távola
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