O homem é um ser em evolução e sua tendência natural é sair do
egocentrismo. O homem tem a necessidade de pertencer a um determinado
grupo social, seja a família, a escola, o trabalho e tantos outros.
Desde os primórdios da humanidade, a vida em sociedade traz em seu
contexto a disputa pelos bens, disputa essa que jamais se arredará,
pelo simples fato de cada ser humano constituir um universo próprio de
desejos maternais, donde a necessidade de regras gerais é estabelecer
limites que possibilitem a não invasão dos direitos individuais.
Quando se fala, por exemplo, em dignidade, em sentimento, amor, ódio,
conhecimento, intelectualidade, desejo, indiferença, está se falando
em valores intrínsecos do ser humano, em valores que constituem um
patrimônio subjetivo, visualizado no mundo exterior apenas nas
manifestações que cada pessoa, em determinados momentos, deixa
livremente exalar de seu corpo, de seu espírito, de sua alma,
mostrando-se como verdadeiramente é, mostrando-se exclusivamente
"ser".
Mas, para falarmos de valores intrínsecos, temos, primeiramente, que
nos reportarmos ao segundo período do Estado de Direito, que teve seu
início em meados do século XIX. No Estado de Direito, vemos que
atribui-se ao Estado a missão de buscar a igualdade entre os cidadãos;
para atingir essa finalidade, o Estado deve intervir na ordem econômica
e social para ajudar os menos favorecidos; a preocupação maior
desloca-se da liberdade para a igualdade.
O individualismo, que imperava no período do Estado Liberal, foi
substituído pela idéia de socialização, no sentido de preocupação
com o bem comum, com o interesse público. Isto não significa que os
direitos individuais deixassem de ser reconhecidos e protegidos; pelo
contrário, estenderam o seu campo, de modo a abranger direitos sociais
e econômicos.
O fracasso do chamado Estado Social de Direito é evidente. No Brasil, a
exemplo do que ocorre em muitos outros países, não houve a mínima
possibilidade de que milhões de brasileiros tivessem garantidos
direitos sociais dos mais elementares, como saúde, educação, previdência
social, moradia. Grande parte da população não tem assegurado o
direito a uma existência digna.
As limitações ao exercício dos Direitos Individuais em benefício de
uma coletividade foram o único caminho encontrado para o alcance de
maior equidade social. Como disse Bobbio, "as sociedades reais,
que temos diante de nós, são mais livres na medida em que menos justas
e mais justas na medida em que menos livres".
Quando falamos em ser humano, em individualidade e em sociedade, não
podemos deixar de falar, também, no lema "Liberté,
Egalité, Fraternité", ou seja, "Liberdade,
Igualdade, Fraternidade" usado na Revolução Francesa, em 1784, o
qual retratava o seguinte:
- Liberdade: os homens nascem e permanecem livres e iguais nos direitos. A liberdade é considerada um direito natural;
- Igualdade: a lei é a mesma para todos, profissões e funções públicas são acessíveis a todos, sem distinção por nascimento. Os cidadãos são iguais perante a lei, o que significa que privilégios são condenados;
- Fraternidade: auxiliar os povos da Europa a se tornarem Estados livres como o francês.
Infelizmente, esse ideal não foi atingido durante a Revolução e nem
atualmente.
Durante a Revolução Francesa, na qual a Liberdade surgiu num sentido
singular, as pessoas desfrutaram de maiores facilidades e concessões, o
que se convencionou chamar de direitos. Estes não eram iguais para
todos, se entendermos que a igualdade era a meta mais difícil, devido
à crescente divisão social. Até hoje, o homem não realizou os ideais
da Revolução. No entanto, grandes mudanças ocorreram na "imortal
trindade", tais como: o conceito de liberdade que passou para
liberdades, "positiva" e "negativa". A primeira,
"positiva", é a ideia na qualidade de cidadãos, de participação
política, e a "negativa" se resume em poder fazer ou ser
aquilo que se quer. A igualdade teve, nesses 200 anos, com o
desenvolvimento social, um aumento nas desigualdades, e a fraternidade
foi abandonada em um mundo que colocou a afirmação dos Estados
Nacionais acima da solidariedade entre os povos.
A palavra caridade, junto com o lema revolucionário Francês
"Liberdade, Igualdade, Fraternidade", em conjunto, formam um símbolo,
uma aspiração e uma inspiração, para todas as pessoas comprometidas
com os valores humanos e com a organização da vida social e coletiva
do homem.
O Estado, por sua vez, na forma como se organiza, tendo em vista uma
cidadania melhor, acaba por propor e criar políticas sociais que não
levam em conta o cotidiano e a construção de uma cidadania crítica,
participativa e de qualidade.
Sabe-se que o problema da desigualdade é um componente histórico-estrutural,
que perfaz a própria dinâmica da resistência e da mudança, pois, o
capitalismo representa uma sociedade de discriminação. O que se quer são
formas mais democráticas, políticas sociais que reduzam o espectro da
desigualdade e da desconcentração de renda e poder. O Estado pode ser
um equalizador de oportunidades, desde que defina, não o seu tamanho
ou presença, mas a quem serve.
A
concepção de cidadania persistida pelo Estado, ainda baseia-se nos
princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, onde a própria
organização política, histórica e social brasileira torna-a impossível,
pelas grandes desigualdades e mazelas sociais existentes.
As políticas sociais, embora tenham objetivo de proporcionar uma
harmonia entre os três princípios, têm se mostrado insuficientes para
resolver as contradições entre a proposta de cidadania e a sua realização
efetiva.
Gumersindo Bessa 1,
dá o seguinte parecer sobre o homem social:
"Cada um vê as coisas conforme o ponto de vista em que se
coloca. O meu ponto de vista para julgar a sociedade é este: o homem
social é um carnívoro açamado (amordaçado com açamo - focinheira
para cães). O açamo chama-se a lei, polícia, poder público. Nos
momentos em que a vigilância do poder público adormece ou a coação
legal esmorece, cai o açamo, o homem recobra toda a sua liberdade
natural, e fica apenas limitado o seu poder por esta lei única: o mais
fraco é presa do mais forte. Encarando assim os fatos sociais, é tão
insensato o louvor quanto o vitupério. A natureza é imoral".
De todo o exposto, é inarredável que tenhamos a consciência da
impossibilidade de radicalismos, porém, é necessário que o Direito
observe, na sua evolução, não apenas a evolução objetiva da
sociedade, mas, principalmente, o que o ser humano tem de essência,
tornando-se este a razão da existência daquele.
Sonhar com um mundo de iguais: fraterno e livre. Sonhar com um mundo sem
religiões em que os homens vivam apenas para o dia de hoje. Sonhar com
um mundo sem patrões, sem governos, sem ricos nem pobres. Sonhar com a Utopia de Thomas Moore, com a República de Platão, com o Socialismo de Karl Marx. Sonhar com a Era de Aquários que
acabou nunca acontecendo. Sonhar com um mundo completamente diferente do
competitivo mundo do século 21. Sonhar, sonhar sempre!
Continuemos, pois, a sonhar. Quem sabe, um dia, conseguiremos idealizar
e, acima de tudo, concretizar uma sociedade perfeita. Uma célula
fraterna, gerida por um núcleo de notáveis escolhidos entre os mais sábios
e mais magnânimos. Uma sociedade que funcione com uma única célula,
sempre em prol do bem comum.
Rosana Madjarof
Rosana Madjarof
Nenhum comentário:
Postar um comentário