Ontem uma amiga me disse: ” Às vezes sinto que nunca estarei pronta para trabalhar com as pessoas”. Ela deixou uma profissão que ama, mas não estava sendo feliz com o que fazia e resolveu preparar-se para algo mais humano, onde possa ajudar mais diretamente quem sofre.
“Não sei como me sentirei ao orientar pessoas sobre áreas que também sinto dificuldades. Acho que primeiro preciso resolver minhas questões para depois, quando finalmente estiver pronta, iniciar o trabalho.”
Respondi que essa ideia de “estar pronta” é uma ilusão. Jamais estaremos completamente prontos. É claro que a preparação ajuda, a parte teórica pode trazer embasamento, mas creio que é nossa humanidade o que nos vincula e isso implica em reconhecer as dificuldades do outro a partir da minha própria experiência.
Nem sempre sofremos pelas mesmas causas, pelo menos não na superfície, no entanto, olhando um pouco mais de perto, nossas dores, nossos medos, nossas dúvidas tem muito em comum.
Creio que o poder da solidariedade, da identificação com o semelhante é muito maior do que técnicas ou discursos prontos, que tem seu lugar, mas não superam a experiência de quem sabe porque viveu, enxergou as próprias dores, no caminho encontrou significados e, a medida que vê, compartilha.
Nenhum de nós está totalmente pronto. Ninguém eliminou todas as questões, superou todas as dificuldades, venceu absolutamente cada traço de negatividade, justamente porque estamos fazendo isso juntos. Quem ajuda e quem é ajudado, quem caminhou um pouco mais e quem ainda nem começou, ora tendo algo a dizer e tantas vezes aprendendo com o que ouve.
O problema é que elegemos como referência humanos que vendem a ideia de “super humanos”. Quanto a esses, não tenha dúvidas, em casa, com a esposa, a mãe, os filhos ou quem anda perto, a realidade não é tão super assim. Portanto sejamos humanos e verdadeiros.
Que a gente aprenda com as experiências, se for o caso, que nos preparemos conforme achar melhor, mas, seja um profissional da ajuda, seja um amigo que estende a mão ao outro, alguém que simplesmente pretende ser útil, não esqueça, nossa melhor preparação acontece no caminho e nosso vínculo jamais será pela via da perfeição, das técnicas, das teorias por melhores que sejam, o que nos vincula é nossa humanidade e o reconhecimento que não somos perfeitos.
Somos homens e mulheres experimentando as dores e delícias de viver, cada um em sua fase, cada qual em seu tempo, respeitando os processos, ajudando uns aos outros, conscientes que em nossa humanidade, nos vinculamos, nos tornamos fortes, podemos crescer juntos.
Flavio Siqueira
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