Quanto mais enxergo de perto, mais complexidade vejo. Na lente 
ninguém é totalmente do bem, nem do mal. Não há santos que resistam ao 
cotidiano, aos dias quentes, as filas longas, as noites insones 
ou manhãs de mal humor. Os “maus”, aqueles que gostamos de apontar e 
dizer “mata, mata”, olhando de perto, demonstram traços de humanidade 
que espantaria a maioria de nós. Muitos são capazes de cuidar dos 
filhos, do amigo talvez, com dedicação e amor, contrariando nossa 
impressão simplista e apressada em dizer é “bom” ou é “mau”. São santos 
para os seus.
Examine o branco com a lupa, a mais potente que tiver, e verá 
uma mistura de cores. Não há branco. Aproxime-se do laranja, do verde, 
do vermelho, do azul e verá que cada uma delas representa a soma de 
tantas outras.
Um anônimo que cruza seu caminho em uma tarde qualquer. Um entre 
tantos rostos desconhecidos, gente que você nunca viu, no entanto, 
aproxime-se, olhe, converse, ouça, conheça os hábitos e na próxima vez 
que se cruzarem não será mais um anônimo, será o Sebastião, um conhecido
 seu.
Assim são as pessoas, assim é a vida.  Você jamais conhecerá alguém 
em sua complexidade de pensamentos, jamais terá acesso aos poços 
interiores, às sombras, aos processos que refletem no corpo, no jeito, 
nos atos que não entendemos. Temos vislumbres, sabemos em parte, porque 
tudo o que temos são os avessos.
O avesso é o lado de fora. É a casca, a superfície onde a vida é 
apenas reflexo. Aproxime-se um pouco mais. Veja de perto, enxergue os 
movimentos da vida e se espantará, não apenas por conta das inevitáveis 
descobertas, mas, sobretudo, por enxergar-se.
Sustentamos nossas reputações, alimentamos a imagem que a maioria 
faz, seja para o bem, seja para o mal, mas nada disso resiste quando os 
filtros dos olhos caem. Sem preconceito, sem nenhum tipo de juízo de 
valor, nenhuma pretensão em saber alguma coisa, veremos o outro e, no 
outro, veremos quem somos. Somos o outro também.
Pequenas partes de uma coisa só com reflexos de nossas escolhas, seja
 no que chamamos de bem ou de mal.  Nessas partes refletem nossa 
cegueira, nossos medos que se expressam aqui e ali, de um jeito ou de 
outro, em gente que você odiaria admitir que, apesar dos pesares. 
essencialmente se parece contigo.
Todo diabo é santo para alguém, todo santo é ou já foi diabo, de modo
 que só me resta a consciência de que não há santos que resistam ao 
cotidiano, afinal, quanto mais enxergo de perto, mais complexidade vejo.
 Na lente ninguém é totalmente do bem, nem do mal. Somos nós expostos no
 outro para que não haja outro, para que não haja nós.
Flavio Siqueira 

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