quarta-feira, 2 de julho de 2014

Nada se encerra no que aparenta ser

Antes de começar a escrever as mensagens que chegam pela manhã, tento me concentrar por alguns instantes e esvaziar a mente ainda carregada das impressões do sono recém interrompido pelo despertador que toca às 4h30.
Quase nunca sei sobre o que vou dizer, começo por uma frase, uma impressão, algo que movimenta minha interioridade e permito que as palavras traduzam de modo a se conectar com liberdade em quem lê. Às vezes sou influenciado por uma pergunta, um comentário, um e-mail, uma crítica, não importa, o fato é que tudo pode desembocar em oportunidade para enxergar além da superficialidade das letras, percebendo que nada se encerra no que aparenta ser.
Nada se encerra no que aparenta ser. Nada.
Funciona quando escrevo porque funciona enquanto vivo. Com o tempo você perde o condicionamento, deixa de ser um dos “alfa mais”, personagens do Admirável mundo novo de Aldous Huxley, e começa a virar gente.
É preciso ser gente para conectar as experiências e abrir mão do absoluto controle das coisas. Não vemos porque somos programados para não ver além da camada de verniz, baseando nossas percepções na percepção da media, da maioria e assim passamos uma vida alimentando condicionamentos, sempre reagindo, jamais ousando enxergar, reprimindo questionamentos sob o escudo do medo.
Estou falando sobre você e sobre mim. Não use esse texto como argumento para apontar determinado grupo de gente estereotipada, “massas de manobra”, gente que ainda não sabe o que você pensa que sabe. Esse texto é para você que acredita ter chegado à algum lugar, estar acima da media, “iluminado”, quem sabe?
Nada se encerra no que aparenta ser.
É assim que consigo escrever, é assim que tenho aprendido a viver na mesma medida que, diariamente, me entrego as necessárias desconstruções de quem sabe que também está exposto a inúmeros e sutis condicionamentos.
Por isso tento não me apressar em julgar, em determinar opiniões que tantas vezes podem reduzir experiências riquíssimas e abrangentes em apequenadas opiniões de quem, condicionado pelo medo, não vê.
Todos nós estamos expostos a condicionamentos. Todos, portanto cabe a cada um enxergar a si mesmo.
Hoje não vou me estender tanto, quero ser simples como tudo deve ser e, logo pela manhã te lembrar que a vida que viverá hoje, no único dia que existe, é uma grande oportunidade para enxergar fora da caixinha, uma chance para descondicionar-se e perceber em cada sutil movimento de vida que nada se encerra no que aparenta ser.
Pense nisso e tenha um lindo dia ! Fique bem.

Flavio Siqueira

Coração é terra que ninguém vê


Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Sachei, mondei - nada colhi.
Nasceram espinhos
e nos espinhos me feri. 
Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Cavei, plantei.
Na terra ingrata
nada criei. 
Semeador da Parábola...
Lancei a boa semente
a gestos largos...
Aves do céu levaram.
Espinhos do chão cobriram.
O resto se perdeu
na terra dura
da ingratidão 
Coração é terra que ninguém vê
- diz o ditado.
Plantei, reguei, nada deu, não.
Terra de lagedo, de pedregulho,
- teu coração. Bati na porta de um coração.
Bati. Bati. Nada escutei.
Casa vazia. Porta fechada,
foi que encontrei...


Cora Coralina