terça-feira, 30 de setembro de 2014

Eu e minha chatice...

Hoje de manhã me diverti com uma curiosa pergunta feita com cuidado e carinho: “Querido Flavio Siqueira, vc é tão questionador em todos os aspectos e tão em paz em todos os aspectos…Já se sentiu chatinho?”
Pensei sobre isso e conclui que já. Nem tanto eu, mas tantos que convivi me taxaram assim. Nem sempre eles estavam errados. É mais fácil os outros perceberem nossa chatice do que nós mesmos reconhecermos.
Às vezes sinto que estou chato. Consigo perceber quando algo me incomoda por pura implicância, quando o mau humor não tem causa objetiva, quando é melhor eu ficar no meu canto, quieto com meus resmungos interiores. Sim, às vezes me sinto chatinho.
Mas você tem razão quando diz que estou em paz. Aprendi a ter paz com minha chatice, especialmente por não ter nenhuma pretensão de perdê-la. É preciso um pouco de chatice para recusar formas, para posicionar-se “contra a maré”, para sustentar um ponto de vista que acredita diante de uma multidão contrariada, para caminhar no anti fluxo. Nesse caso, ser “chato”, é quase inevitável.
O desafio é que a “chatice” não vire dogma. É preciso ser um “chato equilibrado”. Reconhecer quando a chatice é necessária ao mesmo tempo em que abre mão de ser dono da razão, de tentar impor seu ponto de vista, de entrar em discussões. É preciso subjugar a chatice ao amor.
É isso que nos pacifica e promove a consciência de quando a chatice é necessária e de quando é só chatice mesmo. É importante não confundir uma coisa com a outra. Quando for necessária, iluminamos nosso posicionamento em amor com humildade e respeito.
Quando for apenas chatice, aquele mau humor implicante que às vezes todos sentimos, identificaremos com imparcialidade suficiente para reconhecermos que não é o outro, nem a situação específica, mas somos nós, tentando de alguma maneira projetar nosso ego. Nesse caso melhor ficar quieto no canto esperando que passe.
É preciso lembrar que, independente de qualquer coisa, “enxergar” no mundo cheio de cegos pode ser mal interpretado. Ter opinião em tempos “politicamente corretos”, pode parecer chatice. Questionar, refletir, provocar desconstruções é ameaçador para muita gente que, ao invés de parar e pensar, prefere dizer “é um chato!”. Para esses é menos ameaçador deslocar o foco de si mesmo, evitar perceber-se e projetar na chatice alheia o que não quer encarar.
Só que isso não pode ser argumento para que eu seja um chato, muito menos um chato que não reconhece sua chatice. Enxergar-se implica coragem de expor nossa humanidade, inclusive nossos “defeitos”, sem negá-los, muito menos justificá-los, mas livres para expor o que somos sob a luz da consciência do amor. É isso que nos dá equilíbrio para evoluirmos e ficarmos em paz. Cuidemos do que estamos nos transformando e aquietemo-nos. Fique bem.

Flavio Siqueira

O Perdão – Vingança ou Justiça?


O perdão melhor causa para o que perdoa, sendo assim destituído do horrendo sentimento de vingança. O culpado por isso é absolvido? Óbvio que não. A seu tempo enfrentará sua culpa e diante dela terá a oportunidade redentora de se retratar perante suas vítimas. Se assim não fosse, não existiria justiça Divina, só a dos homens que sofre inumeráveis mudanças para se adaptar a realidade que hora vivemos.

A vingança é um sentimento pequeno, destituído de qualquer nobreza. Só serve para saciar a fome de seres que se contentam com “essa” vida, que acham que “aqui se faz, aqui se paga”, que pensam muito antigo, ultrapassados e saudosos da Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”. Se o Mestre nos ensinou a “dar” a outra face, porque vamos fazer justamente o contrário? Entenda-se: dar a outra face não quer dizer “Dar a cara a tapa”, quer dizer “Perdoar”.


Justiça é dar oportunidade aos ofensores de se redimirem, de se arrependerem. Quem nunca ofendeu ninguém? Quem nunca sentiu vontade de fazer com que o outro sofresse? A Justiça do Pai é maior do que a “Pena de morte”, do que a “vingança”. A Justiça que vem do alto é sempre a mais sensata. Devemos esquecer as ofensas? Na medida do possível sim, mas as marcas ficam. Se houver boa vontade essas cicatrizes nos fazem lembrar sim, mas, com certeza sem ódio, sem rancor.
Ana Maria Carvalho

O deserto e a liberdade

Não é sem motivo que Deus, logo após libertar o povo da escravidão no Egito, os conduziu para o deserto. A passagem pelo deserto era necessária para ajudá-los a deixar para trás a mentalidade da escravidão e a compreender a nova liberdade que Deus lhes estava oferecendo. Quando damos o nosso sim a Deus, ele sempre nos conduz ao deserto.
O nosso deserto não é igual ao das areias do Neguev ou do Saara. Nosso deserto é o lugar onde somos levados a refletir sobre nossas ilusões, as expectativas infantis que nos mantêm alienados, inclusive de pessoas que amamos; os medos que mascaramos ou sublimamos em nossa busca frenética por realização e entretenimento. No deserto, não temos um caminho claro e seguro, nenhuma distração, nada que nos excite. Nele, o futuro é incerto, nos vemos vulneráveis e fragilizados, e experimentamos a força das trevas interiores do medo.
Por outro lado, o deserto é o lugar do encontro com Deus, da rendição do orgulho e da ilusão de sermos senhores do nosso destino. É o lugar da companhia divina, do silêncio diante de Deus, onde a quietude nos ajuda a reconhecer a presença dele. O silêncio que nos torna mais atenciosos à voz de Deus. Para sermos livres, precisamos nos afastar, por um tempo, do mundo dos homens para entrarmos, a sós, no mundo de Deus. Um tempo no qual as paixões, tensões, pressa, vão, lentamente, cedendo espaço para percebermos a realidade à luz da eternidade e restabelecermos o valor correto das coisas. No deserto, reduzimos nossas necessidades àquilo que é essencial.
A enfermeira americana Bronnie Ware escreveu um livro sobre os “cinco maiores arrependimentos ou lamentos de pacientes terminais”. Depois de acompanhar por vários anos estes pacientes, ela listou aquilo que eles gostariam de ter feito e não fizeram, como: ter mais tempo para os amigos e não ter trabalhado tanto. O deserto deles trouxe uma outra dimensão de suas reais necessidades.
Na solidão do deserto, descobrimos a suficiência da graça de Deus. Teresa de Ávila (1515--1582) descreveu num poema sua experiência no deserto:

Nada te perturbe,
Nada te espante.
Tudo passa.
Deus não muda.
A paciência tudo alcança.
Quem tem a Deus,
Nada lhe falta.
Só Deus basta.

Nossa necessidade primeira é Deus. De tudo o que aprendemos no deserto, a lição mais importante é que aquilo de que mais necessitamos encontramos na comunhão com Deus. A experiência do deserto nos conduz ao auto esvaziamento, ao desapego dos ídolos que nos oferecem a falsa segurança, e à completa submissão a Deus e aos seus caminhos. Aprendemos a ver a vida desde a perspectiva da eternidade, o que nos ajuda a colocar em ordem nossos valores.
A verdadeira liberdade nasce do deserto. Foi no deserto que Jesus reafirmou a identidade dele e seguiu livre para realizar a missão dele em obediência ao Pai. Não precisou usar nenhum artifício para se autopromover. Foi livre para fazer o que tinha de fazer, assumir a cruz e, no fim, morrer. O deserto nos liberta dos falsos deuses, das mentiras e ilusões que nos fazem pessoas controladoras e manipuladoras. Rompe com a falsa sensação de que temos controle sobre o nosso destino. O deserto nos torna pessoas mais verdadeiras, livres, e mais conscientes de nossa total dependência de Deus.

Ricardo Barbosa de Sousa