Hoje de manhã me diverti com uma curiosa pergunta feita com cuidado
e carinho: “Querido Flavio Siqueira, vc é tão questionador em todos os
aspectos e tão em paz em todos os aspectos…Já se sentiu chatinho?”
Pensei sobre isso e conclui que já. Nem tanto eu, mas tantos que
convivi me taxaram assim. Nem sempre eles estavam errados. É mais fácil
os outros perceberem nossa chatice do que nós mesmos reconhecermos.
Às vezes sinto que estou chato. Consigo perceber quando algo me
incomoda por pura implicância, quando o mau humor não tem causa
objetiva, quando é melhor eu ficar no meu canto, quieto com meus
resmungos interiores. Sim, às vezes me sinto chatinho.
Mas você tem razão quando diz que estou em paz. Aprendi a ter paz com
minha chatice, especialmente por não ter nenhuma pretensão de perdê-la.
É preciso um pouco de chatice para recusar formas, para posicionar-se
“contra a maré”, para sustentar um ponto de vista que acredita diante de
uma multidão contrariada, para caminhar no anti fluxo. Nesse caso, ser
“chato”, é quase inevitável.
O desafio é que a “chatice” não vire dogma. É preciso ser um “chato
equilibrado”. Reconhecer quando a chatice é necessária ao mesmo tempo em
que abre mão de ser dono da razão, de tentar impor seu ponto de vista,
de entrar em discussões. É preciso subjugar a chatice ao amor.
É isso que nos pacifica e promove a consciência de quando a chatice é
necessária e de quando é só chatice mesmo. É importante não confundir
uma coisa com a outra. Quando for necessária, iluminamos nosso
posicionamento em amor com humildade e respeito.
Quando for apenas chatice, aquele mau humor implicante que às vezes
todos sentimos, identificaremos com imparcialidade suficiente para
reconhecermos que não é o outro, nem a situação específica, mas somos
nós, tentando de alguma maneira projetar nosso ego. Nesse caso melhor
ficar quieto no canto esperando que passe.
É preciso lembrar que, independente de qualquer coisa, “enxergar” no
mundo cheio de cegos pode ser mal interpretado. Ter opinião em tempos
“politicamente corretos”, pode parecer chatice. Questionar, refletir,
provocar desconstruções é ameaçador para muita gente que, ao invés de
parar e pensar, prefere dizer “é um chato!”. Para esses é menos
ameaçador deslocar o foco de si mesmo, evitar perceber-se e projetar na
chatice alheia o que não quer encarar.
Só que isso não pode ser argumento para que eu seja um chato, muito
menos um chato que não reconhece sua chatice. Enxergar-se implica
coragem de expor nossa humanidade, inclusive nossos “defeitos”, sem
negá-los, muito menos justificá-los, mas livres para expor o que somos
sob a luz da consciência do amor. É isso que nos dá equilíbrio para
evoluirmos e ficarmos em paz. Cuidemos do que estamos nos transformando e
aquietemo-nos. Fique bem.
Flavio Siqueira