domingo, 5 de outubro de 2014

Um bom conselho... Trilha espiritual, crise existencial e mais um monte de coisas

Eu sempre quis fazer uma viagem espiritual. Não tô falando de viagem alucinógena com cigarrinho de palha ou cogumelo do sol, tô falando de sair pra encontrar a natureza, ouvir o barulho que ela faz, sentir o vento no rosto, sentir o sol queimando a pele, sentir o silêncio do canto dos pássaros, e usar tudo isso pra pensar na vida. Sempre achei que tirar um tempo pra ficar em silêncio e meditar sobre meus problemas, minhas preocupações, minha vida, de uma forma geral, me traria algum tipo de resposta. 

E como eu precisava de respostas, e ainda preciso! Venho passando por uma fase difícil na minha vida, besteira pra alguns, mas difícil pra mim, talvez seja coisa da idade ou um cansaço geral da minha vida monótona, o fato é que eu precisava pensar sobre o que vinha acontecendo, colocar minhas ideias no lugar, tentar entender o que significava toda essa aflição. Não é de hoje que penso em sumir do mapa num fim de semana qualquer e tentar entender quem eu realmente sou em outro lugar.

Então, talvez, eu esteja passando por uma crise existencial ou coisa do tipo, faz sentido. De todo modo, como eu não podia simplesmente abandonar família, amigos e trabalho sem causar confusão, decidi que precisava fazer uma espécie de retiro espiritual, uma trilha para o autoconhecimento ou alguma coisa parecida. Não é nada do tipo auto-ajuda de buteco ou comer-amar-rezar. Trata-se, simplesmente, de sair por aí, sozinho, em busca de respostas, só você, a natureza, uma boa trilha sonora e Deus.

Há pouco tempo li O Diário de Anne Frank - belíssimo e emocionante, todo mundo deveria ler - e me identifiquei muito com algumas coisas que ela diz lá. "O melhor remédio para os que sentem medo, solidão ou infelicidade é ir para um lugar ao ar livre, onde possamos estar sozinhos com o céu, a natureza e Deus. Só então a gente sente que tudo está como deve estar". E é isso, faça simplesmente isso, a paz que isso traz é incrível.

Queria fazer uma trilha digna de nota, ir naquelas paisagens de tv, naquelas montanhas perto do nada, mas o din din tava curto e eu tive que improvisar. Fui a um lugar perto de casa mesmo, num sábado de céu azul e ensolarado, coloquei uma trilha sonora adequada - sabe aquelas músicas que mexem com a gente, lá no fundo? então... - planejei cada lugar em que passaria estrategicamente com uma música adequada também e fui tirando fotos de cada lugar por qual passava pra que eu pudesse rever mais tarde e nunca mais me esquecer que daquele dia tinha nascido uma nova ordem de vida pra mim.

Sabe aquelas cenas de filme em que o personagem volta em algum lugar do seu passado pra recuperar alguma lembrança perdida? Algum trauma? Eu fiz isso. E recomendo muito que você também o faça. É uma experiência dolorosa, mas enriquecedora. Foi como se eu tivesse ido e lá dito "Ei! Olha, isso aqui aconteceu a muito tempo atrás, não preciso mais viver baseado nisso, acabou, eu superei." Depois virei as costas e fui embora como se alguma coisa que eu não quisesse mais tivesse ficado lá, finalmente.

Quando fiquei sozinho, parei um pouco pra meditar, pensar nas coisas que me afligiam, no porque de as coisas estarem assim, no porque de tudo. Claro, não tive respostas ali e acho que ainda não as tenho, mas é como se, de alguma forma, eu tivesse arrumado um monte de coisas que estavam desorganizadas dentro de mim. Como se tivesse um quebra cabeça todo desarrumado e esse processo colocou todas as peças no lugar. Não sei explicar, só sei que sinto a leveza até hoje, quase um mês depois. Fora que, eu tive o privilégio de ver, sozinho, o sol indo embora no fim da tarde, putz, não tem coisa mais linda que isso.

Então, acho que essa trilha funcionou de alguma forma pra mim. Estou mais focado, confiante, conformado, sei lá. Sempre quis fazer e nunca tinha feito, ficava adiando, deixando pra depois, se soubesse que faria tão bem já teria feito a mais tempo. Muitas vezes a gente tem ao menos uma parte das respostas necessárias bem ali, mas não enxergamos. Se tem alguma coisa que você queira muito fazer, que acha que vai trazer alívio, pare de enrolar e faça. Minha próxima meta é fazer meditação. Depois volto pra contar.

Guilherme Ferreira

Prazos e processos de uma alma


Ninguém tem nenhuma ideia de todos os processos, idas, voltas, caminhos que uma pessoa faz até que finalmente se aquiete e se pacifique.
Pensamos conhecer alguma coisa, acreditamos saber, mas quem pensa que sabe, se ilude.
Não conhecemos todas as etapas, sequer enxergamos todas as pontas do fio que conecta, amarra aqui, solta ali, afrouxa, aperta, costurando muitas vezes em uma vida inteira, um caminho absolutamente individual de percepção da realidade, de aprendizado e crescimento.
Qual de nós conhece o próprios processos? Quem tem plena consciência dos significados de cada etapa? Não apenas as que representaram marcos em nossa existência, mas também, e principalmente, as do cotidiano, as pequenas pedras, os desequilíbrios que não chegaram a virar tropeções; sinais, coisinhas do dia a dia que, no seu tempo, contribuiriam para que lá adiante finalmente enxergássemos algo importante?
Ora, se poucas vezes conseguimos projetar consciência em nossos próprios processos, o que dirá os processos de quem pouco ou nada conhecemos? Será que de fato estamos aptos a determinar cortes, caminhos, desfechos, vaticínios, interferências na construção de uma alma, julgando, tentando apressar as coisas, acusando quem quer que seja de cego?
Antes de tirar a lasquinha do olho do outro, retiremos o galho fincado no nosso.
Cada alma tem seus caminhos, cada caminho seus processos, cada processo seus prazos. Cabe a nós amarmos em simplicidade, mantendo a humildade de eternos aprendizes, conscientes de que nenhum de nós jamais saberá quando o processo iniciou, tampouco quando terminará.
Ainda que alguns se proponham a ensinar, ensine como quem compartilha o pouco que sabe. Ninguém é mestre de fato, ninguém é dono de nada, somos sim, todos, pequenas centelhas, vagalumezinhos que refletem uma luz que não é propriedade exclusiva, conectados, experimentando nesse corpo o privilégio de sermos humanos e aprendermos a amar em simplicidade e verdade.
Caminhemos juntos, ajudando uns aos outros. O que passar disso é presunção, desnecessária e cruel.

Flavio Siqueira

Não sei quantas almas tenho


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu. 

Fernando Pessoa