Mas Barbara diz que raramente alguém é 100% ruim, ou seja, por mais maquiavélica que seja, pode realmente ter atitudes boas. “Alguns dos genes que criam um comportamento ruim, quando misturados com genes mais completos, podem criar um dos nossos melhores comportamentos”, afirma. A dica de Barbara para lidar com alguém de má índole é deixar muito claro o tipo de comportamento que você vai tolerar. “Se os limites impostos não são respeitados, talvez seja a hora de você não se comunicar mais com aquela pessoa”, orienta. Além disso, Barbara diz que a terapia sem medicamentos é um dos únicos meios de tratamento. “A terapia da conversa muda fisicamente o cérebro das pessoas”, afirma.
Leia abaixo a entrevista da pesquisadora:
Bem-Estar - As pessoas nascem predispostas a serem más? Por quê?
Barbara Ann Oakley - Todas as pessoas são um pouco ruins em algum momento da vida, ou fazem alguma coisa que não é certo. Mas parece que existe uma pequena porcentagem da população que é manipuladora e engana as pessoas, e que sente prazer em magoar e até mesmo destruir a vida dos outros. Eu chamaria essas últimas pessoas de "ruins". Às vezes as pessoas ruins vêm de famílias que as abusaram quando crianças. Nesses casos, as duas coisas (genes ruins e um péssimo ambiente) são importantes para formar a personalidade de alguém. Mas às vezes essas pessoas ruins vêm de famílias decentes, e possuem pais e irmãos que são bons. Nesse caso pode ser que a pessoa tenha herdado uma mistura de genes que não combinaram. Mas não são os genes que são ruins! Pode ser simplesmente que esses genes tenham permitido que algum fator exterior, como um vírus por exemplo, entrasse no corpo mais facilmente e danificasse algumas partes do cérebro. Pessoas "ruins" raramente são 100% ruins - elas ainda podem realmente fazer coisas legais. Hitler por exemplo, permitiu que o médico judeu que tratou de sua mãe fugisse da Alemanha nazista. Stalin, que gostava de se divertir com suas vítimas antes de liquidá-las, ajudou seus amigos de escola e teve certeza de que sua mãe estava sendo bem cuidada.
Bem-Estar - Na sua opinião, o que motiva atos de extrema violência?
Barbara - Existem vários tipos de motivação. A maioria das pessoas cometeria um ato de extrema violência se isso salvasse suas vidas, ou a vida de uma pessoa amada. Outras pessoas são propensas a atos de violência por causa de danificações no cérebro que acabam com a habilidade de controlar seus comportamentos. Mas ainda existem aqueles que sentem prazer em machucar outra pessoa. Nós ainda não entendemos como essa última possibilidade funciona. Ainda não há nenhum exame científico que prove o sadismo.
Bem-Estar - O que diferencia a genética de pessoas boas e pessoas maquiavélicas?
Barbara - Sabemos que narcisismo é fortemente herdado, mas ainda não sabemos quais genes particularmente afetam essa área. Podem ser algumas dezenas ou até centenas. Mas o ambiente também tem muita influência no narcisismo. As vidas de muitas celebridades perdem o rumo porque elas são diariamente muito bajuladas. De qualquer forma, uma super dose de narcisismo pode ter muita importância em um comportamento ruim. É por isso que Hitler, Stalin, Ceaucescu, e muitos outros ditadores ruins tinham rituais personalizados. Mas pessoas narcisistas às vezes podem fazer coisas muito boas - por exemplo Winston Churchill, ou muitos outros cientistas manifestantes e homens de negócios. A falta de narcisismo é encontrada em pessoas que não conseguem se defender - e isso não é saudável. Então, está claro que somente o narcisismo não é o bastante para tornar uma pessoa ruim. Achamos também que falta de empatia, sadismo e dificuldade de controlar as emoções estão ligados ao comportamento ruim. Todas essas características parecem ser afetadas pelos genes. Uma pessoa geralmente precisa ser muito azarada e receber vários genes incompatíveis que a colocam em risco e aumentam as chances de ter um comportamento maldoso. Até mesmo nesses casos, às vezes é preciso um ambiente ruim para a cartada final. Tenha sempre em mente que alguns dos genes que criam um comportamento ruim, quando misturados com genes mais completos, podem criar um dos nossos melhores comportamentos. Então, genes "ruins" também podem se tornar genes "de bondade". É uma situação muito complicada.
Bem-Estar - Isso explica a diferença de personalidade entre irmãos que viveram na mesma casa e receberam a mesma criação dos pais?
Barbara - Com certeza! Centenas de genes diferenciam nossas personalidades, e cada filho herda uma mistura diferente. Então você pode facilmente ter um filho que é mais carinhoso e mais altruísta, enquanto o outro é mais interessado nele mesmo.
Bem-Estar - A pessoa pode ter o gene do mal "adormecido", ou seja, apesar de ter predisposição para maldades viver normalmente, sem cometer crimes ou armações?
Barbara - Pessoas com algumas dessas características problemáticas geralmente mostram "competência de acordo com a situação". Por exemplo, elas podem ser competentes e esconder algumas dessas características no trabalho, mas podem chegar em casa e ser terrivelmente agressivas com a família. Acho que uma pessoa problemática mais cedo ou mais tarde acaba se revelando - é muito difícil para ela se reprimir o tempo todo. Ao mesmo tempo, há evidências que pessoas que possuem aspectos de comportamentos "ruins" (por exemplo, pessoas que dão 'escândalos emocionais', culpam os outros por seus erros, mentem...) podem perceber como suas atitudes magoam os outros. Quando se importam com com os outros, essas pessoas maldosas são motivadas a mudar de comportamento. Algumas das novas terapias realmente podem ajudá-las. As terapias que eu digo são somente as de conversa - sem usar medicamentos. Quando se compara a imagem clínica da pessoa antes e depois da terapia, é possível realmente ver que a terapia da "conversa" muda fisicamente o cérebro das pessoas!
Bem-Estar - A criação e a educação contribuem para a personalidade negativa?
Barbara - Em muitos casos sim. Algumas crianças são geneticamente predispostas para serem mais sensíveis a tratamentos duros ou abusivos. Isso talvez explique porque algumas crianças que são criadas nesse tipo de ambiente se tornam ruins também, enquanto outras que tiveram a mesma experiência são mais resistentes e crescem saudáveis mentalmente. No entanto, há algumas crianças que são inatingíveis. Nós estamos na mesma posição em relação às crianças autistas ou esquizofrênicas, nos anos 50 e 60. Naquela época, a culpa era dada aos pais - o que era horrivelmente doloroso para eles porque esses pais já tinham a enorme dificuldade de criar uma criança com tais distúrbios. Agora pesquisas recentes mostram que a genética tem um grande papel na causa dessas doenças. De uma forma similar a dos anos 50, quando uma criança nasce problemática, todo mundo - mesmo que inconscientemente - culpa os pais. Mas os pais estão fazendo tudo o que podem para ajudar seus filhos - só que com a diferença neuroquímica de cada um, a criança talvez não esteja apta a ser tratada com certos tratamentos. Os pais quase sempre tratam seus filhos de formas diferentes - o que não é necessariamente uma coisa ruim - é só um pequeno reconhecimento que seus filhos têm personalidades diferentes e cada um responde de uma maneira à forma como é tratado.
Bem-Estar - O período de gestação (rejeição ou trauma sofrido pela mãe) influencia na personalidade das pessoas?
Barbara - Remédios tomados durante a gravidez podem prejudicar o feto. Existe uma pesquisa muito interessante que diz que se a mãe passar muita fome durante a gestação, a criança pode ter uma maior tendência a ser obesa. Mas eu nunca soube de nenhum trauma que a mãe tenha sofrido durante a gravidez que afetou a personalidade da criança. Várias crianças maravilhosas nascem depois de uma situação super traumática.
Bem-Estar - O grupo de gene que pode ser responsável pela maldade de alguém é passado de pai para filho?
Barbara - Sim e não. São necessários muitos genes juntos - geralmente adicionados a influências do ambiente - para fazer uma pessoa que é disposta a cometer atos maldosos. A criança com personalidade perturbada tem uma chance maior de ter feito isso com ela mesma. Mas novamente, muitas crianças maravilhosas têm pais horríveis. Uma criança deve ser julgada por seus próprios méritos - e não o mérito dos pais.
Bem-Estar - Além do gene, o que mais pode fazer uma pessoa má: DNA, parte do cérebro atrofiada, educação, preconceito, família desestruturada?
Barbara - Os genes são apenas uma pequena parte das coisas que influenciam uma pessoa a ser maldosa. Alguns casos de danos cerebrais podem resultar numa condição conhecida como "psicopata adquirido". Por exemplo, uma simples batida na cabeça durante um acidente de carro pode mudar completamente o caráter de uma pessoa, e ela passa a mostrar todas as características de um psicopata. As pessoas também podem aprender a detestar e ser desumanas com outros grupos de pessoas. Dessa forma fica fácil para elas entenderem que matar pessoas de grupos diferentes é uma coisa boa. Fenômenos como esse provavelmente estão ligados a assassinatos horrorosos como o dos japoneses contra os chineses durante o estupro de Nanking. Muitos japoneses voltaram para suas casas depois da guerra e continuaram sendo ótimos pais de família. Quase todo mundo pode aprender a odiar outro grupo de pessoas desumanizando tal grupo. No Oriente Médio, muitas pessoas aprendem que os Judeus são descendentes de porcos, e não são verdadeiramente seres humanos. Isso não é uma coisa boa para o futuro das religiões.
Bem-Estar -É possível afirmar que as pessoas más são necessariamente egoístas, já que agem unicamente para ter vantagem e favorecimento próprio?
Barbara - Parece mesmo que pessoas com traços de personalidade anti-social, que são freqüentemente relacionados a pessoas "más", são também muito narcisistas. Simplificando bastante, parece que existem dois circuitos neuróticos funcionais: um relacionado ao que pensamos de nós mesmos e outro relacionado ao que pensamos das outras pessoas. Se o "senso próprio" é maior que o outro - seja por herança genética, pelo ambiente, ou pelos dois motivos - fica mais fácil para uma pessoa "ruim" justificar tudo o que ela faz. O que é isso? Bom, todos nós, alguma vez na vida, inventamos alguma história por uma boa causa - é da natureza humana. Mas os narcisistas acreditam que existe uma, e somente uma boa causa principal - mentir, trair e magoar as pessoas - se isso ajudá-los em alguma coisa. Afinal, eles estariam somente ajudando uma boa causa.
Bem-Estar - As pessoas maquiavélicas são mais inteligentes, já que conseguem armar situações, pensar em estratégias e até manipular os outros?
Barbara - Não. Não existem evidências de que as pessoas maldosas sejam mais inteligentes - elas variam de inteligentes para estúpidas. Existem algumas evidências que pessoas ruins que são inteligentes vão mais longe em várias estruturas sociais. Afinal, elas estão dispostas a quebrar todas as regras e ‘esfaquear’ as pessoas pelas costas para chegar mais alto. No entanto, pessoas ruins que não são tão espertas se rendem às estruturas sociais. Elas não são tão boas em esconder suas características maldosas.
Bem-Estar - A partir da descoberta do gene do mal, o que pode ser feito para evitar que a pessoa tenha esse gene "aflorado" e, conseqüentemente, evitar suas maldades?
Barbara - Eu acredito que jamais seremos capazes de olhar para um gene e dizer se ele é ruim - os genes são muito complicados, e eles interagem com o ambiente. Infelizmente, nós não conseguimos identificar se uma pessoa é ruim ou não nem olhando direto para elas. Surpreendentemente, a melhor forma de saber se uma pessoa é ruim, ou muito maldosa, é ouvindo o que as outras pessoas dizem sobre ela - principalmente ouvir aquelas pessoas que estão num nível social abaixo daquela que você procura informações. Seu colega ou chefe pode até pensar que a pessoa maldosa é uma santa (pessoas ruins podem ser muito charmosas e engraçadas). Mas se você conversar com o zelador ou com a secretária, pode encontrar uma história muito diferente. Pessoas ruins geralmente tentam compartimentar o que os outros sabem delas, tendo certeza que os diferentes grupos não comentam uns com os outros. Por exemplo, a pessoa maldosa talvez diga a dois grupos diferentes para trabalharem sozinhos. Depois vai dizer que não pode trabalhar num projeto com o grupo A porque está muito ocupada trabalhando com o grupo B; e depois diz ao grupo B que está ocupada com o grupo A. Na verdade, a pessoa ruim não está trabalhando com ninguém - está fazendo alguma coisa totalmente diferente que serve somente para seu próprio bem.
Bem-Estar - Como devemos agir para nos defender quando encontramos e temos de conviver com pessoas geneticamente maldosas?
Barbara - Você tem de deixar muito claro o tipo de comportamento vai tolerar. Se esses limites impostos não são respeitados, talvez não deva mais se comunicar com aquela pessoa. Geralmente, nos dizem para perdoarmos e esquecermos, mas com pessoas maldosas isso pode não ser uma coisa muito saudável a se fazer. Não tem problema algum em manter a sua sanidade e parar de se relacionar com aquela pessoa. Você vai descobrir que a pessoa ruim faz tudo o que puder para que volte a falar com ela - e é uma verdadeira alegria para ela se você responde de qualquer forma. É importante que quando você cortar relação com essa pessoa, isso seja feito de forma clara e firme. Tenha em mente que, apesar de você acreditar que a pessoa ruim tem consciência das escolhas maldosas que faz, se o seu cérebro funcionasse da mesma forma, você estaria com certeza cometendo os mesmo erros.
Bem-Estar - É possível mudar o pensamento dessas pessoas?
Barbara - Algumas pessoas simplesmente pensam diferente, e nós não podemos mudá-las. É de vital importância reconhecermos que algumas pessoas, por causa de sua ingênua maquiagem, não podem ser confiáveis - mesmo que pareçam atores super racionais.
Barbara Ann Oakley, 52 anos, é professora de engenharia na Universidade de Oakland, em Michigan, nos Estados Unidos. Barbara é especializada em pesquisa de bioengenharia e estuda os efeitos da radiação eletromagnética no organismo
Nenhum comentário:
Postar um comentário