Em abril
do mesmo ano, tínhamos acabado de almoçar juntos, como
disse no início, não desgrudávamos para nada, eu subi
para voltar ao trabalho, que por sinal era uma jornada
de quase 12 horas diárias, com parada de 15, 20 minutos
para o almoço, e ele ficou no playground conversando e
fumando, era o momento relax dele.
Algum
tempo depois, quando ele voltou, precisando de ajuda,
era ele desta vez que estava sentindo o que senti.
Meu
coração apertou algo está errado... Muito errado,
pensei. O chamei para consultar o mesmo médico
plantonista que cuidou de mim, no Hospital Evangélico. E
assim fizemos, consulta normal, mesmos exames,
ecocardiograma, e tudo feito dentro do hospital, mas ao
retornamos com os resultados, analisando o de sangue, o
médico pediu outros, inclusive um raio-X do pulmão, algo
me dizia que tinha pressa, precisávamos correr.
No raio-X,
apareceu uma mancha no pulmão do lado direito e mandaram
que procurássemos um pneumologista, e o inferno
começou... Depois de tomografias computadorizadas e
biopsias detectou o câncer, mas a célula apresentada não
era uma célula proveniente do pulmão, e onde estaria
este tumor? No cérebro já havia 18 metástases e de
acordo com o médico oncologista, a mancha apresentada na
radiografia do pulmão também era uma metástase.
É tão
difícil falar sobre isso... Sempre tenho que parar...
Passamos
um bom tempo no hospital, as metástases no cérebro já
haviam atingido os seus movimentos e a pressão do mesmo
deveria ser controlada com medicamentos. Vários exames
foram feitos, até aonde elas haviam se espalhado?
Durante este período tivemos a companhia de familiares,
da minha parte, minha irmã, da parte dele contra sua
vontade o seu filho, depois de alguns acontecimentos
entendi o porquê, mas não quero e nem vou entrar em
detalhes, por amor a uma pessoa que eu nunca machucaria
com minhas palavras nem revelações.
Passamos
momentos felizes dentro daquele quarto, por incrível que
pareça, precisávamos manter nossa fé e nossa esperança, sorrindo, esse foi
o único modo que encontrei para manter essas duas chamas
acesas. Lá encontramos o Sr Raimundo, logo fizemos
amizade. Sempre que eu chegava tinha que dar um beijo na
testa dele, depois eu ia beijar minha vida.
Eu e minha
irmã, nós duas cuidávamos dos dois, eles precisavam de
ajuda para ir ao banheiro, tirar os talheres das
embalagens... Nosso quarto era o mais visitado e muitas
vezes as enfermeiras chegavam à porta para nos dizer que
seriam forçadas a nos pedir pra sair, tamanha
algazarra... (risos).
Ele não
sabia tudo o que estava acontecendo dentro dele, escondi
algumas informações. Louco para vir pra casa, até que o
médico deu alta, Sr Raimundo já havia saído, uns dois
dias antes.
Não
pude ir busca-lo, estava no escritório, às contas
venciam e eu precisava cuidar destes detalhes, a minha
maior preocupação era pagar o plano de saúde,
se com ele estávamos enfrentando tantos problemas,
imagina sem ele, e fazer o depósito na conta
da sua ex-mulher, ele a ajudava, de vez em quando
chegava emails pedindo para não esquecer pois a
prestação do carro estava para vencer, a separação
dele foi complicada, litigioso, chegou aqui em
Salvador com trinta reais no bolso, mas mesmo assim
ele nunca deixou de ajudar a família, mas Deus botou
uma pessoa maravilhosa no caminho dele, e eu sei que
ele a amou demais, falamos sobre isso depois.
Voltando
ao assunto, quando minha irmã ligou, pedindo que
eu fosse pra casa, o filho dele o entregou o laudo
médico na porta do hospital, foi neste dia que ele ficou
sabendo de fato o que estava acontecendo, de toda a
verdade, não entendi o que houve, o porquê de tamanha
crueldade. Saí correndo e peguei um táxi, foi ele
segurando nas paredes para se apoiar quem abriu a porta
pra mim, com os olhos cheios de lágrimas , me disse:
Você sabia? O abracei e respondi que sim... eu sabia, e
mais uma vez outra pergunta, como você estava aguentando
tudo isso? Olhando dentro dos olhos dele sem enxergar,
pois também chorava, respondi... FÉ.
E falando
em fé lembrei, quando ele saiu da sala de cirurgia, no
dia da biopsia, ele me contou muito emocionado que
esteve no colo de Jesus com detalhes, e que aquele dia
dos 60 anos de vida que ia fazer, tinha sido o dia mais
feliz da vida dele, e que eu não entenderia por mais que
tentasse explicar. Isso criou uma tremenda confusão, eu
acreditei que ele viveu o que me contou e o filho dizia
que foi efeito de drogas me levando a questionar o
médico, eu queria respostas, e confirmar minha certeza.
Ele não havia tomado nenhum tipo de droga, a anestesia
para o procedimento foi local, e o médico ainda
acrescentou, que não podia falar pra todo mundo, mas que
ele não tinha dúvida que tudo aconteceu exatamente como
ele havia me contado.
Fiz de tudo para
convencê-lo a se tratar em São Paulo, lá poderia ter
mais recursos, sei lá um milagre... Mas ele foi
radical chorando falou... Não, por favor, não deixe
ninguém me tirar de perto de você... Sem você eu
morro.
Agora só
tínhamos nós dois, e precisávamos começar o tratamento
da quimioterapia e radioterapia, a radioterapia fizemos
umas três seções, aguardávamos o plano de saúde liberar
os medicamentos da quimioterapia. Já havia sido feita a
cirurgia para implantar um cateter, um tubo especial que
é inserido numa veia maior para facilitar o tratamento
quimioterápico, evitando punções repetidas para
conseguir acertar uma veia. Fizemos apenas uma seção.
Em casa,
com horários rígidos para tomar os medicamentos foi
difícil, eu tinha que continuar o trabalho no
escritório, o mundo não parou... Não? Eu achava que
devia, mas não parou. Acordava às quatro da manhã para
estar lá no máximo as seis, antes de meio dia precisava
retornar para aprontar o almoço, e mesmo que eu tivesse
alguém para me ajudar, ele não queria comer, esperava
por mim. E as coisas foram se complicando, cada dia
ficava pior para nós. Ele não conseguia comer, beber
água, dormir, sentia muitas dores, vinte e quatro horas
ele me chamava... benhê... Essa palavra soou aos meus
ouvidos ainda por um bom tempo depois.
Vinte e
três dias sem conseguir dormir, muito inquieto, com os
movimentos dos braços e pernas comprometidos, eu receava
deixa-lo só e acontecer um incidente agravando a nossa
situação.
A dor
aumenta na medida em que descrevo o que vivi. Um filme
de longa metragem com cenas detalhadas é o que vejo
agora, dói , acabo pulando detalhes para não piorar e
desistir... Preciso continuar.
Assim, sem
dormir, sem me alimentar, estava morrendo junto com ele,
mas eu não perdia a fé, achava ser merecedora de um
milagre, afinal de contas durante quase oito anos abri mão de ser mulher por amor, ele era minha vida. Como uma
história dessa poderia terminar assim?
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