sexta-feira, 4 de julho de 2014

A dimensão do essencial


Não coloque propósitos para seu crescimento espiritual, como se estivesse estipulando prazos e metas, como se precisasse atingir determinado estágio para sentir que “chegou lá” a tal ponto que, todos os dias, cobra de si mesmo alguma evolução.
Aquilo que muitas vezes consideramos objetivos a serem atingidos, deve ser consequência, não pode ser causa, motivação da busca. A gente busca sem perceber, sem fazer força, sem colocar angústia no caminho, sem tecer prazos ou metas. Tudo o que devemos fazer é caminhar, e caminhar com atenção.
Quando estou fixado em metas, elas serão minha referência, é por elas que vou aferir até que ponto estou “evoluindo” e isso sempre irá gerar decepção porque vida espiritual não se mede. Não há como medir o que é dentro, não se vê e nem sempre segue caminhos lineares de mensurabilidade.
É como se você plantasse uma árvore para se proteger do sol, e todos os dias sentasse ao lado dela, mesmo que fosse ainda apenas uma plantinha, lamentando que ontem estava do mesmo tamanho de hoje, portanto, não cresceu. Reclamará da árvore sem saber que ela cresceu sim, um pouco a cada dia, até que você desista de esperar e, lá na frente, seja surpreendido pela enorme e frutífera árvore.
Você pensa em suas tentativas, seus caminhos, os lugares onde passou, tentou, se esforçou, as filosofias, as religiões que acreditou serem os verdadeiros canais de evolução. Deixe-se me dizer: nenhum deles é. Absolutamente nenhum.
Tudo pode ser ferramenta, tudo pode ajudar, mas espiritualidade é algo que se vive para dentro, ainda que irradie para fora, ainda que promova vínculos, ainda que lhe possibilite exercitar o amor com o próximo, isso é ótimo, mas é consequência do que antes cresceu dentro.
Não projete sua busca em uma religião, por mais coerente que pareça. Não pense que será uma filosofia, um ritual, um livro ou o que quer que seja que substituirá a possibilidade de enxergar na vida, nas relações, na não linearidade do caminho, em você, dentro, onde ninguém vê. Essa busca cheia de angústia só irá causar dependência, jamais paz interior. Você já tem o que precisa, a paz que tanto quer já é, e de modo algum está vinculada a nada, absolutamente nada fora de você, é por isso que sente tanta dificuldade em encontrá-la.
Engraçado como, de maneira geral, sabemos que o dinheiro, o trabalho, o consumo, não nos trará paz, mas nunca pensamos em relação as religiões, filosofias ou afins. Essas não dão paz pela mesma razão que as outras não dão: estão fora de você, por que seria diferente?
Como encontrar seu caminho? Não se cobre, viva sua vida em paz, use o bom senso, sem culpa, sem angustia, apenas preste atenção no caminho, perceba os movimentos diários e insistentes da vida, de tudo, a terra toda apontando para o simples, está tudo a sua volta, perto, presente, vivo, cada detalhezinho do dia, cada brisa do cotidiano, cada som, cada dia, cada noite, cada silêncio, cada dor, cada alegria, cada conversa, cada momento construído para que você se enxergue, valorize o simples, observe, esteja realmente presente, ame, seja grato, perdoe a si mesmo.
Tudo o que passar disso pode ajudar sim, pode ser útil em algum momento, mas nunca estará na dimensão do essencial, portanto, não corrompa a busca, não inverta as coisas, não projete em nada aquilo que, com simplicidade, naturalmente é e nunca está restrito a grupos ou filosofias especificas.
O que realmente importa já vive em você, portanto, sua função é apenas aquietar-se e perceber.

Flavio Siqueira

Angel - Sarah Mclachlan


quinta-feira, 3 de julho de 2014

Quando tudo faz sentido.


Somente quem já sofreu algum tipo de injustiça na pele, quem já se sentiu indignado por ter vivido algo que não merecia, sabe o valor da justiça.
Quem nunca experimentou a escassez, terá serias dificuldades em reconhecer o significado de ser prospero.
Aqueles que nunca perderem ninguém, que nunca sentiram saudade, precisarão de mais tempo para entenderem o real valor da presença.
É como quem sai de um lugar barulhento e encontra o silêncio, como quem, depois de tanto tempo no escuro, encontra luz, como estar com muita sede e beber um copo com água gelada.
Você não valorizaria a paz se jamais tivesse caminhando em dias de angústia, nem saberia o que é o calor se não conhecesse o frio, “alívio” seria apenas uma palavra se não estivesse vinculado à dor que um dia sentiu.
Sem o pesadelo da madrugada, a sensação de estar perdido, como quem entra em um labirinto, se desespera e depois de muito tempo é encontrado, sem isso, acredite; nunca entenderia o que significa ser acolhido.
Já foi abraçado depois de chorar muito? Já ouviu alguém dizer “estou aqui” depois de pensar que não havia mais ninguém? Já encontrou um rosto amigo no meio de uma multidão de desconhecidos? Então você sabe sobre o que falo.
Se sabe sobre o que falo, não preciso me alongar, mas apenas lembrar que estamos crescendo. Que as dores de hoje apontam para o amor, para a expansão de consciência, para o entendimento de que nada é para o mal. Nada.
Daqui a pouco você compreende que uma coisa está ligada à outra, que no fim das contas tudo faz parte de uma coisa só, que o “bem” e o “mal” de cada evento se vincula ao olhar de cada um, especialmente aquilo que cresce dentro da gente como verdade, como enraizamento, como estatura existencial.
Fique em paz. Não há necessidade de desesperar-se. A não ser que o desespero seja apenas um caminho que desemboque no reconhecimento da paz que dá sentido a todas as coisas, que nos acolhe, nos ilumina a consciência de que cada experiência é uma grande oportunidade.

Flavio Siqueira

Não Canso de te Olhar



Amor,
O que temos, o que tens?
Doce como é doce,
Quando paro meu dia para te olhar...
Não existem feridas, tristezas, só canduras
Pois não canso de te amar...
De minh'alma te contemplo
Nada encontrando em ti senão olhos,
Boca e queixo, longas pernas,
Tudo o que sempre sonhei.....
Do meu corpo todo passado fica sem memória,
Sem som ou cor, substância.
Vejo só você,
A geometria perfeita de teu ser, 
O duplo seio levantado,
Armazem e alimento, fecundo néctar, 
Apaziguando momentos de desejos,
Loucuras....
Minha boca clama teu gosto jorrado,
Sede eterna, 
Semente do olhar enamorado.
Te escolhi fêmea pra sempre,
Beijo roubado....
Você mulher,
Meu mais raro presente.

William José Carlos Marmonti

Beleza além do corpo


quarta-feira, 2 de julho de 2014

Nada se encerra no que aparenta ser

Antes de começar a escrever as mensagens que chegam pela manhã, tento me concentrar por alguns instantes e esvaziar a mente ainda carregada das impressões do sono recém interrompido pelo despertador que toca às 4h30.
Quase nunca sei sobre o que vou dizer, começo por uma frase, uma impressão, algo que movimenta minha interioridade e permito que as palavras traduzam de modo a se conectar com liberdade em quem lê. Às vezes sou influenciado por uma pergunta, um comentário, um e-mail, uma crítica, não importa, o fato é que tudo pode desembocar em oportunidade para enxergar além da superficialidade das letras, percebendo que nada se encerra no que aparenta ser.
Nada se encerra no que aparenta ser. Nada.
Funciona quando escrevo porque funciona enquanto vivo. Com o tempo você perde o condicionamento, deixa de ser um dos “alfa mais”, personagens do Admirável mundo novo de Aldous Huxley, e começa a virar gente.
É preciso ser gente para conectar as experiências e abrir mão do absoluto controle das coisas. Não vemos porque somos programados para não ver além da camada de verniz, baseando nossas percepções na percepção da media, da maioria e assim passamos uma vida alimentando condicionamentos, sempre reagindo, jamais ousando enxergar, reprimindo questionamentos sob o escudo do medo.
Estou falando sobre você e sobre mim. Não use esse texto como argumento para apontar determinado grupo de gente estereotipada, “massas de manobra”, gente que ainda não sabe o que você pensa que sabe. Esse texto é para você que acredita ter chegado à algum lugar, estar acima da media, “iluminado”, quem sabe?
Nada se encerra no que aparenta ser.
É assim que consigo escrever, é assim que tenho aprendido a viver na mesma medida que, diariamente, me entrego as necessárias desconstruções de quem sabe que também está exposto a inúmeros e sutis condicionamentos.
Por isso tento não me apressar em julgar, em determinar opiniões que tantas vezes podem reduzir experiências riquíssimas e abrangentes em apequenadas opiniões de quem, condicionado pelo medo, não vê.
Todos nós estamos expostos a condicionamentos. Todos, portanto cabe a cada um enxergar a si mesmo.
Hoje não vou me estender tanto, quero ser simples como tudo deve ser e, logo pela manhã te lembrar que a vida que viverá hoje, no único dia que existe, é uma grande oportunidade para enxergar fora da caixinha, uma chance para descondicionar-se e perceber em cada sutil movimento de vida que nada se encerra no que aparenta ser.
Pense nisso e tenha um lindo dia ! Fique bem.

Flavio Siqueira

Coração é terra que ninguém vê


Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Sachei, mondei - nada colhi.
Nasceram espinhos
e nos espinhos me feri. 
Quis ser um dia, jardineira
de um coração.
Cavei, plantei.
Na terra ingrata
nada criei. 
Semeador da Parábola...
Lancei a boa semente
a gestos largos...
Aves do céu levaram.
Espinhos do chão cobriram.
O resto se perdeu
na terra dura
da ingratidão 
Coração é terra que ninguém vê
- diz o ditado.
Plantei, reguei, nada deu, não.
Terra de lagedo, de pedregulho,
- teu coração. Bati na porta de um coração.
Bati. Bati. Nada escutei.
Casa vazia. Porta fechada,
foi que encontrei...


Cora Coralina