A gente simplesmente vai passando os olhos, deixando que as linhas
balizem e as palavras conduzam à algum lugar. O que parecia ser monótono
ganha elementos, cheiros, caras, histórias, vida.
Abraços e afagos, alimentos, cuidados, embalos , olhares e amores. Bolas, balas, desenhos, corridas, aventuras, lutas, meninos.
Mudanças, experimentos, rebeldia, novidades…meninas. Ah, as meninas…
O tempo passa, o texto flui, as possibilidades virão, as pessoas
serão, eu serei. Sou? Ainda não. Luto, desbravo e adiciono uma palavra
que não tinha usado: competitividade.
Ando com pressa, escrevo com velocidade, não quero errar, não volto
atrás, sem correção, faço, foco, empenho, desejo, meta,
responsabilidade, carrego na tinta, marco o papel, mas não me importo.
Trabalho, organizo, planejo, calculo, semeio, realizo, excedo,
associo, separo, cobro, dobro, cresço, reúno para não espalhar. Na
última linha todos verão: eis minha obra prima !
A exclamação rasgou o papel. Melhor arrumar, melhor acalmar, seguir
com cuidado, devagar, já disse muito até aqui. Nesse texto que é a vida,
eu jogo palavras, combino, relato, me deixo envolver até que em um
lapso perceba que daqui a pouco termina.
Não quero que acabe. Leio com calma, aos poucos, valorizo as palavras desfocadas, mais clareza, mudanças, sem muitas questões.
Luto: Os que eram deixaram de ser, memórias descolam, as tintas
desbotam, menos força no papel, não quero rasgá-lo, as tantas linhas
escassearam.
Melhor falar sobre o mar. Você quer ouvir? Descrevo uma praça com
bancos pintados de verde, caixas de areia, mães e suas crianças que
chegam com bolas e balas, desenhos, correndo em aventuras cheias de
lutas.
Ninguém me vê.
Sente-se ao meu lado, fique aqui, ouça: há adolescentes com suas
mudanças, rebeldes, em busca de novidades e elas…ah, as meninas. Enxerga
adiante? É para lá que eu vou.
O por do sol tingindo as nuvens, os raios intensos batizam o ar, iluminam as partículas, os insetos, as pessoas que nem veem.
E a brisa? Ralos fios brancos dançam sua música com serenidade, não
há quem perceba. Tenho mais a dizer, não sou só isso, um menino me vê.
As palavras fogem. Queixo no peito, cochilo e a vida inteira em um
segundo. Tudo passa e só agora vejo.
Suspiro.
Como um texto que começa sem muita explicação. A gente simplesmente
vai passando, passando até que as linhas findem, a tinta acabe e o texto
termine.
Flavio Siqueira
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