quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Os Desentulhados


Todo espaço é preenchido pelo universo. Não há vácuo, apesar da ciência ainda buscar respostas definitivas para a tal matéria escura. Olhe para o céu, veja a natureza e perceba que a vida ocupa todos os espaços, sem esforço, naturalmente, estabelecendo conexão entre todas as coisas.
Diminua em si mesmo os espaços ocupados pelo ego e verá o mesmo fenômeno. Aquiete-se e os espaços interiores serão preenchidos pela vida. Tudo ficará mais claro, sua perspectiva de olhar mudará sem nenhum tipo de esforço, não haverá mais necessidade de pautar-se pela média. Tudo será novo.
Mas há um preço a pagar. Quando sai da caverna a sociedade deixa de ter parâmetros para entender que tipo de fenômeno ocorreu. É preciso criar uma caixa: “qual sua religião?” , “qual sua filosofia?”, “quem é seu mestre?”, “qual suas intenções?” e na tentativa de entender pode se projetar inclusive hostilidade.
É preciso desqualificar quem não coube em nenhuma forma, este virou ameaça e sua antecipação de olhar pode desqualificar o pensamento vigente. Sua paz é ameaça, sua independência uma afronta, sua liberdade coloca em dúvidas o discurso vigente, os caminhos oferecidos, as propostas difundidas com tanta enfase. Você enxergou e agora virou uma ameaça.
A sociedade jamais terá nenhuma referência para lidar com os “desentulhados”, os que anteciparam-se em abrir mão dos labirintos interiores, do alimento ao próprio ego, e, esvaziando-se, foram preenchidos pelos mares, pelo céu, pelo vento, pela vida.
Cabe a esses, conscientes do fenômeno, pacificarem-se. Não houve caso na história humana de alguém que viu antes, um único ser que não tenha se antecipado no tempo, especialmente sobre os preconceitos e limites autoimpostos de olhar, sem pagar algum preço por isso.
É uma escolha. Aos que se sentem ameaçados, o dedo em riste, o deboche, as acusações. Aos pacificados, a certeza de que seu diálogo interior com o universo criará conexões, desentulhará espaços, promoverá vida.
No fim das coisas, isso é tudo o que importa.

Flavio Siqueira

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