segunda-feira, 23 de junho de 2014

Llorando - Crying - Rebekah del Rio


As Coisas



Vamos falar sobre você? Você quem? Saramago dizia que dentro da gente há uma “coisa” e essa “coisa” somos nós. Você é essa “coisa”. Não é o corpo, não é o rosto, não é a voz. Você não é aquele que os amigos reconhecem, tampouco o filho abraçado pelos pais. Você também não é o pai, nem a mãe.
Que tipo de “coisa” anima os corpos, esquenta a pele, põe brilho nos olhos, sorri, chora, pensa, sente, enxerga, cheira, sonha, mente, vive tentando preencher-se sem saber direito do que, se vincula, se aproxima, se apaixona, envelhece e um dia vai embora? Embora para onde?
Há pele, camada de gordura, carne, órgãos, ossos, universo biológico que trabalha como uma máquina, sem que nada sinalize nenhum movimento perceptível a olho nu, nem em radiografias, ou tomografias, ninguém sabe aonde fica, mas, como negar que há uma “coisa” dentro da gente?
Quem anima o corpo da senhorinha do café? Aquele corpo adiante que um dia apodrecerá se manifesta lindamente, como uma flor que um dia vai murchar, como os pássaros que voam tão alto até que o fôlego da vida seja sugado, aquele corpo, aquela senhora, aquele menino, aquele homem, aquela mulher, o mendigo, o soldado, o amigo, o chefe, o fiscal do imposto de renda e o vizinho, aqueles corpos, aquelas “coisas”, vivendo em um fragmento do tempo, experimentando a possibilidade de ser humano.
Nós, coisas, um dia deixaremos de ser. Nós, coisas, um dia voltaremos a ser. Coisas que nem sabem direito o que são, mas de alguma maneira se vinculam espantosamente, como se compartilhassem em si mesmo todas as coisas, todas as histórias, o mundo inteiro que cabe em algum lugar dentro da gente.
Nas coisas não há tempo, nem espaço, nem separação. As coisas são e estão dentro desses corpos, em algum lugar, manifestando-se conforme a própria percepção ou falta dela, relacionando-se dentro da relatividade, da auto percepção, da dualidade, do ego, tantas coisas sobre coisas que um dia deixarão de ser o que hoje se vê, voltarão a ser o que hoje se sente.
Consciências que movem bonecos de carne, coisas contando suas próprias histórias até que um dia retornem à casa, a coisa aonde as coisas serão mais do que coisas. Serão o que de fato são.

Flavio Siqueira