segunda-feira, 16 de junho de 2014

O texto e a vida


A vida é como um texto que começa sem muita explicação.
A gente simplesmente vai passando os olhos, deixando que as linhas balizem e as palavras conduzam à algum lugar. O que parecia ser monótono ganha elementos, cheiros, caras, histórias, vida.
Abraços e afagos, alimentos, cuidados, embalos , olhares e amores. Bolas, balas, desenhos, corridas, aventuras, lutas, meninos.
Mudanças, experimentos, rebeldia, novidades…meninas. Ah, as meninas…
O tempo passa, o texto flui, as possibilidades virão, as pessoas serão, eu serei. Sou? Ainda não. Luto, desbravo e adiciono uma palavra que não tinha usado: competitividade.
Ando com pressa, escrevo com velocidade, não quero errar, não volto atrás, sem correção, faço, foco, empenho, desejo, meta, responsabilidade, carrego na tinta, marco o papel, mas não me importo.
Trabalho, organizo, planejo, calculo, semeio, realizo, excedo, associo, separo, cobro, dobro, cresço, reúno para não espalhar. Na última linha todos verão: eis minha obra prima !
A exclamação rasgou o papel. Melhor arrumar, melhor acalmar, seguir com cuidado, devagar, já disse muito até aqui. Nesse texto que é a vida, eu jogo palavras, combino, relato, me deixo envolver até que em um lapso perceba que daqui a pouco termina.
Não quero que acabe. Leio com calma, aos poucos, valorizo as palavras desfocadas, mais clareza, mudanças, sem muitas questões.
Luto: Os que eram deixaram de ser, memórias descolam, as tintas desbotam, menos força no papel, não quero rasgá-lo, as tantas linhas escassearam.
Melhor falar sobre o mar. Você quer ouvir? Descrevo uma praça com bancos pintados de verde, caixas de areia, mães e suas crianças que chegam com bolas e balas, desenhos, correndo em aventuras cheias de lutas.
Ninguém me vê.
Sente-se ao meu lado, fique aqui, ouça: há adolescentes com suas mudanças, rebeldes, em busca de novidades e elas…ah, as meninas. Enxerga adiante? É para lá que eu vou.
O por do sol tingindo as nuvens, os raios intensos batizam o ar, iluminam as partículas, os insetos, as pessoas que nem veem.
E a brisa? Ralos fios brancos dançam sua música com serenidade, não há quem perceba. Tenho mais a dizer, não sou só isso, um menino me vê. As palavras fogem. Queixo no peito, cochilo e a vida inteira em um segundo. Tudo passa e só agora vejo.
Suspiro.
Como um texto que começa sem muita explicação. A gente simplesmente vai passando, passando até que as linhas findem, a tinta acabe e o texto termine.

Flavio Siqueira

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