domingo, 12 de outubro de 2014

Vínculos e maturidade afetiva

 
Um dos maiores sofrimentos em nossa maneira de nos relacionarmos são as sérias dificuldades na comunicação. O crescimento emocional e a maturidade afetiva são a base das relações saudáveis e de uma sociedade madura. Na verdadeira comunhão aconchega-se a mudança mais potente.
“Em nossa sociedade contemporânea, o ser humano se vê cada vez mais privado do reconhecimento essencial que implica a confirmação afetiva de sua existência” (Frans Veldman).
A vida afetiva humana, com suas interações, relações e sua problemática intrínseca, é a trama que sustenta o mundo em todas suas esferas, tanto privadas como públicas. No entanto, as potencialidades afetivas são frequentemente asfixiadas, subestimadas, descuidadas, quando não ignoradas. Amadurecer e crescer são, antes de mais nada, tarefas individuais, e seu reflexo mais fiel se projeta no espelho da sociedade.
Não se pode evoluir e crescer como ser humano íntegro sem desenvolver e amadurecer emocionalmente. Não há sociedade madura sem indivíduos íntegros. A imaturidade política, social e educativa que rege nossa cultura é expressão da imaturidade emocional dos indivíduos que a integram; sob a aparência de adultos, a grande maioria são seres que evolutivamente mal superam a infância precoce ou a puberdade (1).
Desenvolver o núcleo mais íntimo de nosso ser, desenvolver a própria identidade como a capacidade de formar e manter relações, constituem as propriedades mais importantes de todo ser humano.
Identidade e alteridade são as duas caras de uma dimensão primária da existência humana. Se um ser se transforma realmente em adulto, se a pessoa atinge certa liberdade, é também livre em seus comportamentos e isto implica uma fluidez de papéis e responsabilidades nas relações interpessoais. A capacidade de amar profundamente e estabelecer autênticas relações humanas é imprescindível.
Também somos capazes de criar diferentes tipos de relações e estas adquirem muitas formas: relações superficiais e sem um verdadeiro contato, modelos de dependência nos vínculos que bloqueiam a individualidade ou distorções e perturbações na comunicação.
Mas o mais importante passa inadvertido: psicologicamente, continuamos prolongando a precoce dependência emocional da infância, e com essa profundidade psíquica encaramos o mundo e a própria vida. É complexo viver, mas a maior parte da pena e do conflito é consequência direta do estado de imaturidade psicológica em que nos encontramos e que nem sequer é advertida como tal.
 Se o destino natural de todo ser humano é crescer e amadurecer: por que se torna tão difícil atingir uma verdadeira maturidade afetiva? Muitos nem sequer se propõem isso; vivem tão ocupados em atingir o sucesso, o poder, o dinheiro e o reconhecimento, projetos meramente externos, que nunca conseguem relacionar suas ânsias e suas angústias profundas com a falta de crescimento afetivo e espiritual. E muitos outros guardam o desejo de amadurecer e evoluir, mas são muitos os obstáculos que encontram, e confundidos, frustrados ou resignados, claudicam na busca interior ou acabam consumindo fórmulas mágicas e alheias que, inevitavelmente, afastam e desviam do próprio caminho vital.
A vida é um drama formativo; drama entendido como o desenvolvimento de experiências vitais e simbólicas que marcam a passagem de uma etapa a outra de maior maturidade, de integração e autoformação.
“Os jovens sabem que, para honrar a vida que seus pais lhes deram, devem deixar o pai e a mãe, ir ao encontro da sociedade e, longe da casa paterna, assumir sua feminilidade ou sua virilidade” (Françoise Dolto).
O caminho do amadurecimento é um processo de diferenciação e individuação psicológica; para crescer e amadurecer como verdadeiros seres livres e íntegros é necessário separar-se emocionalmente dos pais. Nenhum ser humano pode ser atributo, objeto ou complemento submetido à dependência de outro.
Quantos filhos estão fechados ao seu próprio desejo e vitalidade por pais que os pressionam com solicitação abusiva e mandatos esclerotizantes (2). O maior dom que os pais —verdadeiros ou substitutos— podem brindar aos filhos é separar-se e diferenciar-se deles — “cortar o cordão umbilical”— para que possam ter acesso a sua própria identidade, a um desenvolvimento emocional individual.
Não só os filhos devem “deixar o pai e a mãe”, são os pais, sobretudo, é que devem deixar os filhos irem embora. Alguns pais, muito poucos, permitem o crescimento e a abertura à vida, mas a grande maioria, devido às estruturas familiares rígidas e às carências emocionais próprias, freiam o processo natural de separação e diferenciação de todo crescimento.
Deste modo, cresce na tensão e na culpa e, sem saber, sob um estresse crônico que será a base de muitas relações emocionais perturbadoras. A maioria das pessoas continuam sendo psicologicamente filhos –“os filhos da infância”– e a maioria dos pais continuam exercendo o papel de “pais da infância”. Assim, a relação entre pais e filhos permanece ancorada nos primeiros anos infantis ou, no melhor dos casos, na adolescência (3).
A imaturidade da relação entre pais e filhos continua vigente ao longo da vida —por isto continua sendo uma relação conflitiva— e se projeta em todas as áreas do mundo adulto. Em grande parte da sociedade os papéis que os adultos cabais deveriam exercer estão nas mãos de “meninos dependentes” ou “adolescentes desenfreados” emocionalmente —ainda que em aparência possuam atributos de poder e autoridade—. Queremos realmente amadurecer? Do ponto de vista físico, não temos outra opção, mas quanto ao psicológico e espiritual, podemos decidir deter-nos, não atravessar o próximo portal e, se aparentemente avançamos, num nível mais profundo dizemos “não”.
Cada etapa concluída é o fundamento da seguinte. Confiar nos tempos da vida e em suas oportunidades para crescer e amadurecer nos proporciona a segurança básica e fundamental para viver.
Quando nos transformamos em adultos? Quando encontramos em nós mesmos nossa verdadeira fonte de vida e criatividade; quando chegamos a ser nossa própria mãe, nosso próprio pai e, portanto, nosso próprio filho. Se formos suficientemente livres, autônomos e fortes, aprendemos a relacionar-nos de um modo mais saudável e maduro, sem criar dependências nocivas e ataduras.
 
Ángela SannutiEscritora Argentina. Artigo publicado na revista Criterio, www.revistacriterio.com.ar 

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